Teísmo
Teismo ,Deísmo e a Ciência
Introdução
O debate sobre a
relação entre a religião e a ciência é um dos grandes temas do momento. Muitas
vezes prejudicada por posicionamentos extremistas, tanto do lado da religião
como do lado da ciência, a reflexão sobre o tema tem ocupado as mentes de
filósofos, teólogos e cientistas da mais alta competência, e angaria crescente
reconhecimento, não somente por sua importância política e cultural, na busca
por uma integração e harmonização entre a fé e a prática científica, mas também
pela constatação de que posicionamentos religiosos tem impacto decisivo na
própria constituição das ideias científicas.
São diversas as
possibilidades de contato entre religião e ciência, desde o conflito aberto até
à integração. Entre as alternativas para correlacionar religião e ciência, o
Dr. Ian Barbour favorece a busca de síntese sistemática, ou integração
sistemática, que ocorre quando “[…] ambas, a religião e a ciência, contribuírem
para uma visão coerente do mundo, elaborada numa metafísica includente”
(Barbour, 2004:50). Barbour rejeita a equiparação entre metafísica e ciência ou
metafísica e religião, e reconhece a importância de preservar a diversidade dos
modos de experiência (Barbour, 2004: 54), mas nem por isso desiste da tentativa
de desenvolver uma visão coerente da realidade. O próprio Barbour, no entanto,
como outros especialistas no campo, abandona o teísmo cristão clássico em sua
proposta de integração sistemática, ao usar como referência uma forma de
filosofia do processo que elimina a descontinuidade entre o Criador e a
criação.
Uma importante
alternativa para o diálogo entre a ciência e a religião, no interior da
tradição cristã, que mantém a ênfase teísta na diferença ontológica de Criador
e criatura e, ao mesmo tempo, promove uma criativa integração sistemática por
meio de uma teorização metafísica é a proposta do Dr. Roy Clouser, que se
tornou famoso, principalmente, por sua obra principal, The Myth of Religious
Neutrality: An Essay on the Hidden Role of Religious Belief in Theories
(1991,2005). A posição do Dr. Clouser é, na maior parte, uma ampliação e
clarificação da obra do filósofo holandês Herman Dooyeweerd, e apresenta-se
como um dos mais sofisticados modelos teístas de integração atualmente
disponíveis. Neste artigo vamos apresentar uma síntese da proposta de Clouser.
O teísmo (que
tem sua raiz na palavra grega theos, que significa deus)
contrapõe-se ao ateísmo (em
grego, a = negação, theos = deus) e tem uma
certa relação com o deísmo, de modo que por
algum tempo na história da filosofia teísmo e deísmo representaram a mesma
coisa, até que sua distinção foi devidamente feita pelo filósofo alemão Immanuel Kant (1724 –
1804), em sua obra Crítica da Razão Pura. Enquanto no deísmo se
acredita que Deus, após ter criado o mundo e suas leis, afastou-se do mundo,
tornando-se, portanto, transcendente a ele, o teísmo acredita na existência de
Deus ou de deuses como seres pessoais. Acredita também que Deus é perfeito e
que é, portanto, onisciente (conhecedor de todas as coisas), onipotente (que
está presente em todos os lugares) e perfeitamente bom, sendo, portanto, um
criador amoroso que se comunica com os seres humanos e manifesta-se a eles
através de seu cuidado. É diferente, também, do panteísmo, pois afirma que Deus existe
independentemente da existência do mundo. O teísmo é um elemento central das
religiões monoteístas como o islamismo, o cristianismo e o judaísmo e os defensores
desse pensamento utilizam-se de vários argumentos para provar a existência de
Deus, mas não sem enfrentar diversas críticas às suas principais ideias.
Em sua distinção
entre o deísmo e o teísmo, Kant afirma que enquanto o primeiro admite apenas
uma teologia transcendental, o segundo afirma também uma teologia natural. Ou seja, enquanto os
deístas admitem a existência de um Deus mas negam que se possa atribuir,
através da razão, qualquer outra determinação a ele além de que ele seja real,
os teístas reconhecem que a razão é capaz de determinar as características particulares
da divindade através de uma analogia com a natureza. Para os teístas, portanto,
pode-se conhecer a Deus e a seus atributos através do pensamento. De acordo com
Kant, os teístas afirmam que Deus é o criador do mundo, enquanto os deístas o
afirmam apenas como causa do mundo.
O teísmo pode ser
encontrado no cotidiano social a partir da observação das práticas religiosas
mais populares, onde os fiéis demonstram sua crença em uma divindade amorosa
que se interessa por suas vidas e que pode intervir em seu favor, por exemplo,
em meio às dificuldades do mundo.
Outra
característica do teísmo que marca sua
A diferença em relação ao deísmo, é que o teísta
admite a crença em atributos de Deus que não podem ser alcançados pela razão
mas que podem ser conhecidos por meio da revelação. Isso significa que, além de
poder-se reconhecer a existência de Deus e algumas de suas características
através do exercício do pensamento humano, pode-se conhecer aquilo que é
impossível de ser alcançado naturalmente através de uma iluminação
proporcionada ao ser humano pelo próprio Deus. No teísmo, portanto, acredita-se
em um Deus engajado, que se relaciona e se interessa por sua criação. Ele é,
portanto, um “Deus vivo”. Apesar de toda a discussão acima ter-se dado na
chamada idade moderna, mais
especificamente durante o desenvolvimento do pensamento iluminista, também é
possível identificar o teísmo presente no mundo contemporâneo, tanto na
filosofia quanto nas religiões de uma maneira geral. Ele aparece como um
aspecto essencial do espiritualismo, que acredita na existência de uma
realidade espiritual povoada por espíritos imateriais (anjos, demônios,
espíritos desencarnados, etc.), por exemplo. O teísmo possibilita as condições
de argumentação necessárias para que o espiritualismo veja-se
capaz de reagir às doutrinas filosóficas as quais rejeitava, como idealismo
romântico (de tendências panteístas) ou pela doutrina de G.F.W. Hegel
(representado também pelo filósofo Johann Gottlieb Fichte, dentre outros)
Teísmo é apenas o
nome para classificar a opinião segundo a qual existe ou existem deuses.
Algumas religiões ou posturas filosóficas são teístas, outras são deístas,
panteístas, etc. Então, podemos dividir o teísmo em: Monoteísmo: crença em um
só Deus.
Vertentes
do teísmo
Teísmo
aberto
O teísmo aberto é
uma nova corrente teologica ou ideologica que vem crescendo em alguns
corredores acadêmicos e chegando aos bancos das igrejas evangélicas. Esta
corrente ideologia, não pode ser considerada
Teológica ,pois
ensina que Ele conhece plenamente o futuro e por isso assume riscos de permitir ao homem total liberdade. Esta
repercussao torna grave o movimento que surge no meio evangelico e nao podemos
nos dar au luxo de ignora las pois contradiz as escrituras tornando se Assim
anti bíblica e não apenas extra bíblica.
Nega a onipotência
,onisciência e onipresença de Deus .
Deus é onisciente
pois somente Ele sabe todas as coisas mesmo antes que elas aconteçam e pode
portanto permitir ou não que seja efetivado.Jó 23:10 Todavia, ele conhece bem o
caminho por onde passam meus pés; se me colocar à prova, constatará que sairei
puro como o ouro refinado.
Ele é
onipotente pois é único que tem poder sobre tudo e sobre todos ,sendo Ele
o supremo criador de tudo e de todos.
1 Coríntios 2
…15 Contudo, aquele
que é espiritual pode discernir todas as coisas, e ele mesmo por ninguém é
compreendido; porquanto: 16“Quem jamais conheceu a mente do Senhor, para que
possa instruí-lo?”
Ele é onipresente
pois é único que pode estar em todo lugar ao mesmo tempo conforme nós mostra o
salmista. Salmos 139
Seus defensores
afirmam que pretendem conceito de reavaliação da onisciência de Deus na
qual se afirma que Deus não conhece o futuro completamente a pode
mudar de ideia conforme circunstância .Uma reação exagerada contra o
calvinismo!
Teísmo
cristão e a ciência
O filósofo
americano Roy Clouser desenvolveu recentemente um modelo para explicar a
relação entre a religião e a ciência, a partir de uma crítica interna do
empreendimento científico. Segundo Clouser, todo pensamento teórico depende de
pressuposições a respeito da ordem cósmica cuja natureza é indistinguível de
certos tipos de crença religiosa – aquelas crenças a respeito do que
constituiria o fundamento divino do mundo. A partir da observação da
indistinguibilidade dessas crenças, Clouser sustenta que a ciência tem,
necessariamente, um ponto de partida religioso que condiciona a construção
teórica.
A partir dessa
descoberta, Clouser apresenta a crença teísta cristã clássica como um ponto de
partida viável para o empreendimento científico, e como uma imagem de mundo
superior às imagens não-teístas de mundo, na medida em que estas não fornecem
subsídios suficientes para lidar com o problema do reducionismo científico e
com os impasses teóricos relacionados a ele.
A Natureza
da “Crença Religiosa”
O programa teísta
de Roy Clouser para uma “reforma interna” da ciência começa com a redefinição
da natureza e importância da crença religiosa para o pensamento teórico. Assim,
em sua obra principal, ele inicia o argumento pondo em questão o próprio
conceito de religião, mas para conceituar crença religiosa. Clouser admite que
a tarefa de definir “religião” seria muito difícil e, de qualquer forma, além
do escopo do seu trabalho; sua intenção assim é focalizar apenas um uso particular
do termo, no sentido em que ele qualifica a crença (Clouser, 2005a:9).
Redefinindo
a “Crença Religiosa”
Para definir a
crença religiosa de modo não arbitrário, isto é, que “estabeleça o conjunto de
características compartilhadas unicamente por todas as coisas do tipo definido”
(Clouser, 2005a:10), Clouser procede a um breve estudo comparativo das crenças
religiosas de diversas religiões, incluindo a maiores atualmente vivas
(Judaísmo, Cristianismo, Islã, Hinduísmo, Budismo e Taoísmo), bem como as
antigas (a crença grega nos deuses Olímpicos, os cultos mistéricos, a religião
Romana, o politeísmo Egípcio, a religião Cananéia), outros cultos menores
(Druidismo, Mitraísmo, Zoroastrismo, Shintoísmo, cultos aborígenes, etc) e
casos dúbios, como os ensinos Epicuristas sobre os deuses. Sua conclusão
preliminar é a de que não há crenças em comum que se repitam universalmente.
Além disso, não há
uma conexão necessária das crenças religiosas com outros elementos da
experiência religiosa. Assim, há formas de crença religiosa que não são fonte
de direcionamento moral, ou que não inspiram adoração de qualquer tipo nos
crentes. Tampouco é possível identificar a crença religiosa a partir de certo
rito, desde que toda prática ritual se baseia, no fundo, em comportamentos que
tem múltiplos usos, sendo que apenas o sentido que o uso tem em certo contexto
pode torná-lo religioso – isto é, sua conjunção com certa crença religiosa
(Clouser, 2005a:11,12). A crença num “Ser supremo” não é universal (no Budismo
e no Hinduísmo, por exemplo, não há crença em um “Ser supremo”). O conceito de
“realidade suprema” (ultimate reality) de Tillich também seria inadequado,
porque não recupera, de fato, um elemento comum a todas as religiões, mas
prescreve a sua própria definição de religião verdadeira (Clouser,
2005a:13).[1] A ideia de que o núcleo da crença religiosa seria a atribuição de
valor irrestrito também é inadequada porque, em muitas religiões, a divindade é
odiada pelos fiéis!
Para solucionar a
dificuldade Clouser propõe uma mudança de estratégia. Ao invés de comparar
conteúdos e estruturas religiosas específicas, em conexão com a crença
religiosa, ele sugere que consideremos a estrutura da própria crença religiosa.
E considerando essa estrutura ele nota que há uma ampla discordância sobre o
que é o divino, e sobre como o restante da vida se relaciona com o divino
(moral, valores, ritos, etc), mas também que a convergência para o que se
acredita ser divino é universal (Clouser, 2005a:17). Ou seja, o que é
compartilhado pelas diversas religiões, e que poderia ser utilizado numa
definição não-arbitrária, é a orientação da crença para o que recebe o “status”
de divindade.
Recolocando a
questão dessa forma, Clouser obteve, como resultado, que a atribuição de
“divindade”, no interior de certa crença religiosa, consiste na atribuição de
incondicionalidade. Ser “divino” significaria ser “não-dependentemente real”.
Segundo Clouser, essa estrutura se repetiria até mesmo em formas de crença
religiosa que não tem uma definição explícita de divindade, na medida em que o
objeto da crença religiosa sempre é uma realidade que recebe o status de
incondicionalidade:
Após mais de
quarenta anos de estudos em religião comparativa, eu nunca encontrei uma
tradição religiosa que falhe em atribuir o status de divindade como consistindo
em ter incondicionalidade, ou realidade não-dependente. O divino é aquilo que
simplesmente está aqui, “é”, enquanto tudo o que é não-divino depende, para a
sua existência, do divino (Clouser, 2005b:6).
Como evidências
adicionais, Clouser lembra que “virtualmente todos os filósofos pré-socráticos
conceberam o status da divindade como sendo aquilo que não depende de nada mais
para a sua existência”, sendo que o seu debate girava em torno de qual
realidade atribuir esse status (Clouser, 2005a:20), e que essa compreensão era
compartilhada por Platão e por Aristóteles. Apenas na idade média o debate
cessou, pela óbvia razão do domínio monoteísta. Nas religiões de origem bíblica
não há diferença entre a “divindade” e Deus, enquanto, nas diversas formas de
paganismo, os “deuses” costumam ser diferenciados da “divindade”. Os
reformadores, Lutero, principalmente, teriam percebido a diferença teórica
entre status divino e o possuidor da divindade. Finalmente, diversos estudiosos
modernos da religião reconheceram a conexão entre crença religiosa e atribuição
de incondicionalidade.[2] Clouser define, então, crença religiosa, como se
segue:
Uma crença é
religiosa desde que:
(1)
seja uma crença em algo como sendo divino per se não importando como isso será
finalmente descrito, ou
(2)
seja uma crença sobre como o não-divino depende do divino per se, ou
(3)
seja uma crença sobre como os humanos vêm a estar em uma relação apropriada com
o divino per se,
(4)
sendo que o núcleo essencial da divindade per se é ter o status de realidade
incondicionalmente não-dependente (Clouser, 2005a:24).[3]
Os Três Tipos
Básicos de Crença Religiosa
A partir dessa
definição de crença religiosa, como a crença sobre o que é a realidade divina
e/ou como o cosmo e o homem se relacionam com essa realidade, Clouser
identifica três tipos básicos de crença religiosa.
O tipo “pagão”
tem, como característica essencial, a ideia de que o divino é “[…] alguma
parte, aspecto, força ou princípio no universo, aberto à nossa experiência e
pensamento ordinário “(Clouser, 2005ª:44). Nessa concepção a realidade é vista
como um continuum ontológico, sendo que algumas regiões desse continuum são
divinas e as outras são dependentes. Esse tipo de crença não se limita às
formas cúlticas de paganismo, nas quais, por exemplo, uma força da natureza,
como as “tempestades” (Ba’al, Zeus, Júpiter) é adorada como divina. Essas formas
cúlticas entraram em declínio pela influência do Hinduísmo, Budismo e Islã, mas
suas crenças subjacentes são ainda sustentadas no ocidente, como no caso do
pitagorismo (a crença no aspecto quantitativo da realidade como incondicionado)
ou do materialismo de Marx, por exemplo (Clouser, 2005ª:45,46). Sob essa
categoria Clouser inclui também as cosmovisões dualistas, como a doutrina
Taoísta do Yin-Yang e o dualismo grego Matéria/Forma (Clouser, 2005ª:47).
O tipo “panteísta”
de religião teria seus principais representantes no Hinduísmo e no Budismo.
Clouser faz a interessante observação de que, de certo modo, o panteísmo
inverte o arranjo ontológico do paganismo: “Ao invés de localizar o divino como
uma subdivisão de uma realidade contínua, a crença panteísta é de que, seja o
que for, que experimentemos como realidade não-divina, isso é, na verdade, uma
subdivisão da realidade divina, que é tanto infinita como todo-abrangente”
(Clouser, 2005ª:48). Ou seja, paganismo e panteísmo concordam em ver a
realidade como um continuum, sendo que no primeiro o divino é uma subdivisão do
todo, e no segundo o todo é uma subdivisão do divino. No panteísmo, portanto,
as coisas parecem ser não-divinas por um efeito de ilusão; de fato, se algo é
dependente, então esse algo não é verdadeiramente real, pois somente o divino é
real.
O tipo “bíblico”
de religião teria, como característica central, a negação da existência de uma
realidade contínua. Clouser estabelece este ponto da forma mais forte possível,
quando declara que “o Ser de Deus não é o ser da criação” (Clouser, 1999:44),
rompendo explicitamente com a analogia do Ser do pensamento metafísico.[4] O
judaísmo, o cristianismo e o Islã receberam a ideia hebraica de criação, na
qual o Criador é distinto do universo criado por ele, e este universo surge “do
nada”. Desse modo, as tradições religiosas de origem bíblica distinguem-se do
paganismo, ao rejeitar a exaltação de uma parte da criação ao status de
divindade, e do panteísmo, recusando sua noção de cosmo ilusório. Parte também
desse tipo de crença, ao menos em princípio, seria a rejeição das
interpretações dualistas do cosmo e, consequentemente, do dualismo
antropológico que tenta atribuir a um ou outro aspecto da condição humana a
preeminência em relação aos outros. Finalmente, há uma consistente ênfase, no
interior dessa tradição, na gravidade do pecado da idolatria – a negação da
descontinuidade básica Criador-criatura, como a origem do mal humano.[5]
O Impacto da
Crença Religiosa no Pensamento Teórico-Científico
Explicação
Científica e Pressuposição Metafísica
Segundo Clouser,
seria impossível a construção ou adoção de teorias científicas sem a regulação
interna de algum tipo de visão metafísica sobre a natureza essencial da
realidade.[6] A razão disso é que, na construção de teorias sobre a realidade,
nós não apenas identificamos os objetos da nossa experiência, mas manipulamos
conceitos sobre esses objetos, e nossas pressuposições metafísicas controlam a
própria formulação dos conceitos.
Todos os objetos
reais, segundo Clouser, apresentam diferentes tipos de propriedades, sendo que
cada tipo de propriedade pode ser relacionado com uma “regularidade” ou “lei”.
A relação entre o sujeito cognoscente e os objetos reais sempre se dá dentro
dos limites dessas leis, que garantem a diversidade e regularidade dos tipos de
propriedades. Clouser chama os diferentes tipos de leis e propriedades de
aspectos[7] e, às disciplinas que se dedicam a cada aspecto, de ciências
(Clouser, 2005ª:67).
Há variações no
modo da relação entre o sujeito e os objetos de sua experiência. Clouser segue
o pensamento de Herman Dooyeweerd, distinguindo entre dois níveis básicos de
experiência cognitiva. No nível ordinário, ou pré-teórico, temos a formação de
conceitos a partir da “atenção” a certas particularidades dos fatos da
experiência. Neste nível, não há muito rigor e controle na formação dos
conceitos. Já no nível teórico, “intensificamos” a atenção de modo a considerar
analiticamente certas propriedades daquele fato. Praticamos, assim, a abstração
teórica, em diferentes níveis. Abstrair é “extrair”, por assim dizer, conjuntos
de propriedades de seu contexto concreto (os objetos da experiência). No nível
ordinário, temos a baixa abstração, e, no nível teórico, a alta abstração
(Clouser, 2005ª:64).
O “material”
abstraído é utilizado para construir conceitos. Um conceito seria “[…] a
combinação no pensamento de duas ou mais propriedades, relações, partes de
coisas, em concordância com as leis da lógica” (Clouser, 1996b:6). No
pensamento pré-teórico, as conexões lógicas são feitas inconscientemente, como
parte de um processo natural, acompanhando o tipo de intenção que o indivíduo
tem em certo momento (social, estética, biológica, etc.). No pensamento teórico
o indivíduo realiza atos logicamente qualificados, que concentram a intenção
nas relações lógicas entre as coisas; assim, no pensamento teórico, as conexões
lógicas são feitas de modo consciente e sistemático. Teríamos, pois, dois tipos
de conceitos: os pré-teóricos e os teóricos. A característica do conceito
teórico seria o rigor na distinção dos tipos de propriedades e o controle
lógico no estabelecimento de conexões entre as propriedades, relações e partes
de coisas.
O que são essas
“conexões lógicas”? Clouser apresenta inicialmente alguns exemplos da física.
Na fórmula densidade=massa/volume (d=m/vl) temos um exemplo muito simples de
nexo lógico, no qual três propriedades físicas são abstraídas e correlacionadas
com o fim de obter-se uma “regularidade”, isto é, uma lei. Essas relações entre
propriedades são a matéria fundamental para a construção de teorias. Como é
evidente, tais relações não são estabelecidas no pensamento pré-teórico; elas
exigem a alta abstração e a concentração lógica sobre as propriedades
abstraídas, produzindo, como resultado, conceitos teóricos sobre as
propriedades e sobre suas relações.
Por sua própria
natureza, o ato logicamente qualificado não pode conter a totalidade do fato
real. Pois a sua característica definidora é a intensificação da atenção, que
conduz ao isolamento de certas particularidades do fato, para serem submetidas
a sínteses lógicas. Este isolamento das particularidades pode, num primeiro
momento, pôr sua atenção nas diferentes “partes” do fato, e em suas relações,
mas só se transforma em explicação teórica quando procuramos formar conceitos
sobre essas “partes”, com a finalidade de explicar como elas se articulam. Isso
significa que precisamos considerar as particularidades do fato definindo-as a
partir de suas propriedades, buscando correlacionar logicamente essas
propriedades. A explicação teórica sempre envolve, desse modo, a abstração de
tipos de propriedades e de relações (Clouser, 2005ª:66):
[…] vamos
considerar o caso de uma bióloga olhando para micróbios através de um
microscópio. Como ela os experimenta, os micróbios parecem ter, espacialmente,
dimensões e forma, sensorialmente, cor, fisicamente, massa, etc. Pode também
ser significativa a quantidade deles, dentro de certa área. Mas essas
propriedades são todas compreendidas do ponto de vista de seu foco abstrativo
no aspecto biológico dos micróbios. É este foco que guia e direciona o seu
pensamento. Mesmo que o tamanho, massa, cor e número dos micróbios não sejam,
em si mesmos, propriedades biológicas, são de todo importantes, na medida em que
contribuem para a compreensão dos processos vitais desses objetos (Clouser,
2005ª:69).
Como fica claro,
pelo exemplo acima, Clouser entende que a distinção dos tipos de propriedades é
intrínseca ao processo abstrativo, de modo que as propriedades do fato real são
consideradas e correlacionadas do ponto de vista desse “recorte” aspectual,
seja ele qual for. [8] E essa distinção não precisa ocorrer de forma
consciente; na maioria das vezes ocorre automaticamente, em função da
totalidade do processo teórico, mais ou menos como o movimento que fazemos com
os olhos para ler um texto, do qual não temos consciência enquanto prestamos
atenção ao texto (Clouser, 2005ª:68).
Temos aqui um
ponto chave do pensamento de Clouser: a explicação científica exige a distinção
dos tipos de propriedades para considerar um aspecto de certo fato, mas, ao
mesmo tempo, precisa considerar a relação entre as propriedades de outros tipos
e o fato, do ponto de vista daquele aspecto.[9] “As teorias científicas
postulam conceitos que combinam propriedades de diferentes tipos e especificam
como eles se relacionam” (Clouser, 2005ª:187). Por isso mesmo, explicação
sempre precisa começar por uma hipótese sobre a relação entre os tipos de
propriedades. Essa hipótese não é dada pela própria reflexão científica, no
entanto, mas trazida a ela da reflexão pré-científica. Assim, o pensamento
teórico sempre traz consigo uma pré-compreensão do fato que está sendo
conceptualizado, do ponto de vista de sua unidade e estrutura.
Em razão disso,
segundo Clouser, não é possível construir um conceito teórico sobre qualquer
coisa, sem expressar, em algum momento, uma pressuposição sobre a estrutura
geral da realidade e da inserção daquele fato real dentro dessa realidade.
Especificamente, a visão que o indivíduo sustenta sobre quais são os tipos
básicos de propriedades, isto é, os aspectos, e sobre como eles estão
relacionados controla a explicação teórica dos fatos reais. Examinando os
conceitos utilizados por uma teoria científica, seria possível determinar que
tipo de relação entre os tipos de propriedade isolados pela teoria e os outros
tipos de propriedade que compõe o horizonte total da experiência pré-teórica.
É claro que, uma
hipótese geral sobre a natureza e correlação entre os diferentes aspectos da
nossa experiência é uma hipótese metafísica muito ampla, que se identifica com
uma hipótese sobre a natureza e estrutura básica da realidade. Por essa razão,
Clouser sustenta que as teorias e conceitos científicos não podem evitar a
dependência de pressuposições metafísicas.
As pressuposições
metafísicas podem, obviamente, ser também submetidas à reflexão. Isto é, o
indivíduo pode procurar compreender a estrutura aspectual da realidade como um
todo, e tentar explicar a correlação entre os aspectos. Desde que toda
explicação busca o sentido de algo a partir de outros sentidos, ela deverá,
finalmente, repousar em algo que não significa outra coisa, mas que dá sentido
a tudo. Por essa razão a metafísica clássica construiu a noção de “Ser”, como a
realidade última e a fonte do sentido das coisas. Em nosso caso, o pensamento
deverá, necessariamente, buscar algo que transcenda a diversidade aspectual da
experiência, e que seja capaz de dar sentido a essa diversidade. Esse fato
absolutamente primário e não-significante seria o “fundamento”, isto é, aquilo
do que todos os fatos e aspectos da experiência dependem. A realidade
não-dependente. A pressuposição sobre a realidade não-dependente é dada,
implicitamente, na hipótese metafísica sobre a relação inter-aspectual – mesmo
quando essa hipótese não é submetida à análise filosófica.
Em suma: é o tema
da conectividade inter-aspectual que não pode ser evitado e que força as
teorias a assumirem ou especificarem a natureza dessa conectividade. Isso não
pode ser evitado porque os diferentes tipos aspectuais não podem ser pensados
em isolamento; nós nos tornamos explicitamente conscientes deles apenas quando
os abstraímos dos objetos da experiência pré-teórica e os diferenciamos,
contrastando um com o outro. É este fato intratável que levanta o tema da
natureza de sua conectividade, e responder a essa questão é o mesmo que propor
(ou assumir) alguma ideia sobre a natureza básica da realidade (Clouser,
2005ª:191).
De acordo com
Clouser, a estratégia mais comum, na explicação filosófica e científica, é a
identificação de um dos aspectos da experiência com a realidade incondicionada.
Ou seja, um dos tipos básicos de propriedades e leis identificados na abstração
é utilizado como ponto de partida para explicar a origem dos outros,
construindo-se, assim, uma explicação para a sua interconexão. Isso leva ao
esforço de reduzir uma dimensão da experiência a outra. Clouser encaixa os
argumentos reducionistas em duas alternativas principais: (1) a demonstração da
dependência de um aspecto em relação a outro, ou redução fraca, e (2) a
eliminação do aspecto, ou redução forte. Temos, portanto, que pressuposições
metafísicas reducionistas constituem a base para teorias metafísicas e
explicações científicas reducionistas.
Esse procedimento
torna a teoria metafísica reducionista bastante plausível, ao menos dentro das
ciências cujos domínios correspondem aos aspectos absolutizados. Esta seria a
razão, segundo Clouser, porque o grau de plausibilidade de uma teoria científica
varia de pessoa para pessoa, conforme as suas pressuposições metafísicas. O
materialista, o vitalista, o historicista e o fenomenalista têm percepções
diferentes do mundo, no interior de seu pensamento teórico (Clouser, 1996ª:8).
A crítica de Clouser
a essa estratégia, como o fez antes Dooyeweerd, é de que, nesse tipo de
procedimento, a experiência ordinária, pré-científica, na qual a totalidade dos
aspectos é dada simultaneamente e de forma interdependente, é considerada
enganosa. A vasta maioria das teorias metafísicas rejeita essa experiência e
procura identificar a natureza básica da realidade no interior do pensamento
abstrato, escolhendo um ou outro dos aspectos abstraídos para explicar todos os
outros (Clouser, 2005b:2).
Esse procedimento
seria filosoficamente questionável, em primeiro lugar, porque os aspectos
abstraídos no pensamento teórico não são a própria realidade, mas construções
mentais, que não podem ganhar precedência sobre a experiência ordinária de
mundo. Pelo contrário, não há explicação teórica capaz de transcender essa
experiência e superar a primitividade do ordinário. Em segundo lugar, os
diferentes aspectos da realidade são dimensões irredutíveis, tendo sentidos
“primitivos” que utilizamos para formar conceitos, mas estão além da nossa
capacidade de análise (isto é, são “transcendentais”), podendo apenas ser
aproximados por conceitos-limite (Clouser, 2005b;6,7). Isso pode ser percebido
se, num experimento mental, tentamos abstrair completamente um aspecto dos
outros: no fim, ficamos com uma palavra completamente vazia de conteúdo
conceptual.
Da Religião para a
Ciência, através da Metafísica
É exatamente no
nível da articulação entre a metafísica e a ciência que a crença religiosa se
encaixa, na opinião de Clouser. Isso porque, como vimos, o que caracteriza a
crença religiosa é a atribuição de incondicionalidade. A crença sobre o que é a
realidade divina é, metafisicamente falando, a crença sobre a natureza do
fundamento do mundo, isto é, sobre a realidade não-dependente. E o pensamento
teórico, tanto científico como filosófico, não pode evitar uma pressuposição
sobre a relação entre os aspectos da realidade e, consequentemente, sobre a
realidade última, não-dependente, incondicionada. A teorias sempre são
“forçadas”, por assim dizer, a oferecer explicações sobre a natureza da conexão
inter-aspectual, e assim a se posicionar sobre qual seria a natureza básica da
realidade.
Como vimos,
anteriormente, há três tipos básicos de crença sobre a realidade última: o tipo
pagão, o tipo panteísta, e o tipo bíblico. A marca do tipo “pagão” é a
identificação de um “recorte” da realidade com o fundamento desta. No interior
da atividade científica, o “paganismo” consistiria na atribuição de
incondicionalidade a um aspecto da experiência, abstraído no processo teórico,
com a consequente tentativa de reduzir as propriedades e relações dos fatos
reais a este aspecto teoricamente abstraído. Desse modo,
A metafísica
desempenha um papel intermediário entre as crenças sobre a divindade e as teorias
científicas, e o faz por meio da regulação, não apenas da natureza dos
postulados científicos, mas também sobre a própria noção de “explicação”. Pois,
desde que o divino é localizado dentro do universo, o que mais seria uma
explicação, a não ser mostrar como isto que está sendo explicado é eliminado em
favor de, ou é idêntico com, ou é dependente, do divino? Em outras palavras, de
um referencial pagão, a explicação não pode significar outra coisa que não
alguma forma de redução (Clouser, 2005b:10).
Clouser deixa
claro que não identifica religião e metafísica. A religião é um fenômeno humano
complexo, e a metafísica um procedimento teórico. O seu ponto é de que a
metafísica explica a estrutura do real a partir de uma pressuposição sobre a
realidade incondicional, não-dependente, e que essa pressuposição é religiosa
por natureza, pois o incondicional é o divino. E, desde que a ciência não pode
operar sem pressuposições metafísicas, não há teoria científica que não
pressuponha uma forma de crença religiosa – pagã, panteísta ou bíblica. Assim,
a crença religiosa sempre migra para a ciência, por meio de suas inevitáveis
pressuposições metafísicas.
O procedimento da
redução inter-aspectual, refletido nos diversos “ismos” teóricos –
numerologismo pitagórico, materialismo, vitalismo, sensorialismo/fenomenalismo,
logicismo, sociologismo, historicismo, economicismo, etc, seria nada menos que
o resultado da aplicação sistemática, no campo do pensamento teórico, de
crenças religiosas, isto é, crenças sobre a realidade incondicional. Isso não
acontece, segundo Clouser, devido a algum “descuido” por parte dos pensadores,
mas devido à própria estrutura do pensamento teórico, que não pode evitar a
questão da conectividade inter-aspectual e, consequentemente, do arché, a
realidade incondicionada.
A Relevância do
Teísmo para a Ciência
A partir dessas
reflexões percebemos qual seria a relevância do teísmo para a ciência, segundo
Clouser. O efeito principal da crença pagã sobre a ciência moderna e a
filosofia tem sido a confusão criada pela competição de diferentes formas de
reducionismo metafísico, e a insistência em buscar no interior do pensamento
abstrato a realidade não-dependente, é a garantia de que tal conflito não
cessará. Nesse contexto, uma perspectiva radicalmente teísta seria capaz de
ajudar a ciência a superar a tendência ao reducionismo. Contra a tendência
atual de tentar separar a ciência da crença teísta, Clouser interroga:
[…] por que nós
devemos pensar que fés pagãs podem regular teorias internamente e
pervasivamente, mas não a crença em Deus? Por que não devemos esperar que a
crença em Deus possa ao menos delimitar um espectro de hipóteses aceitáveis,
como o fazem as fés pagãs? Por que pensar que apenas as crenças em divindades
pagãs podem proporcionar uma base a partir da qual expliquemos a natureza das
coisas […]? (Clouser, 2005ª:198).
Nesse ponto cabe
uma importantíssima qualificação na explicação de Clouser a respeito do teísmo.
Segundo ele, há uma diversidade, dentro do teísmo, na compreensão da natureza
de Deus, que tem importância elevada para o pensamento teórico. Muitos teístas
admitem teorias reducionistas por não preservar adequadamente a característica
básica da metafísica teísta, que seria a diferença qualitativa
Criador-criatura.
Clouser tratou do
problema, inicialmente, ao refletir sobre a natureza da linguagem religiosa,
oferecendo uma crítica do conceito de analogia. A solução analógica argumenta
que há uma semelhança entre o Criador e suas criaturas, e que essa semelhança
garante a possibilidade de nos referirmos a Deus. Trata-se uma analogia, naturalmente;
não é que, por exemplo, o amor de Deus seja idêntico ao nosso, mas que é
semelhante. Esta teoria, que foi sustentada por Agostinho, Tomás de Aquino e
Anselmo é chamada por Clouser de teoria AAA (Clouser, 2005ª:202). Apesar dos
defensores da teoria da analogia se esforçarem por manter a diferença entre
Deus e suas criaturas, Clouser aponta que “É simplesmente impossível conceber
duas coisas como sendo semelhantes, se ao mesmo tempo supomos que elas não têm
propriedades em comum, univocamente” (Clouser, 1983:6). O compartilhamento de
qualidades exige, em algum nível, a univocidade.
Assim, do ponto de
vista do raciocínio analógico, podemos compreender e nos referir a Deus porque
ele compartilhou algumas de suas qualidades com a criação. Deste modo, há certa
continuidade entre a realidade criada e a natureza divina, na interpretação
analógica. Do ponto de vista da tipologia de Clouser, isso constitui uma forma
mista de teísmo e paganismo, pois implica na atribuição de incondicionalidade a
certas qualidades da criação.[10]
Em resposta a este
teísmo de síntese, Clouser faz uma sugestão insólita: ao invés de aceitarmos
que Deus compartilhou com a criação algumas de suas qualidades, devemos
reafirmar a aseidade de Deus, e pensar, ao contrário, que Deus assumiu algumas
qualidades da sua criação, com o fim de relacionar-se com ela. Desse modo, os
assim-chamados “atributos” de Deus não seriam qualidades divinas, mas
qualidades da criação que Deus assumiu para agir na criação. A linguagem
religiosa não seria, pois, analógica, mas unívoca, na medida em que, quando
falamos do “amor” de Deus, estamos falando de amor, literalmente. A “divindade”
do amor de Deus não estaria, entretanto, no amor, enquanto qualidade, mas no
fato de Deus se relacionar conosco a partir dessa qualidade. O Ser incriado de
Deus seria “livre de qualidades” (Clouser, 1995:121).
Clouser argumenta
que a sua teoria teria sido antecipada pelos pais capadócios (Basílio de
Cesaréia, Gregório Nazianzeno, Gregório de Nissa e Macrina, a irmã de Basílio,
que contribuiu em suas ideias e na edição de seus livros), e nos reformadores,
incluindo Lutero mas, principalmente, em Calvino. Na perspectiva capadócia, o
ser incriado de Deus estaria além de qualquer compreensão humana, e a sua
condescendência teria permitido que ele impusesse a si mesmo um modo humilde de
existência, para se relacionar conosco (Clouser, 2005ª:220). Lutero distingue
entre o Deus “vestido” e Deus em sua própria natureza. E Calvino, nas
Institutas, afirma explicitamente que Deus não revelou a nós como é em Si
mesmo, mas apenas em relação a nós (Clouser, 2005ª:222). Assim, Clouser
denomina esta tradição a interpretação capadociana-reformacional (C/R) do
teísmo. Essa versão é a que ele acredita guardar verdadeiro potencial
transformador para a ciência: “A visão AAA requer que o cosmos seja explicado
reducionisticamente, enquanto a visão C/R de Deus proíbe a redução” (Clouser,
2005ª:203).
A partir do teísmo
C/R, Clouser estabelece dois princípios fundamentais para o pensamento teórico;
o que chama de “criacionismo universal”, ou princípio da pancriação:
“Tudo o que não é
Deus é a sua criação e nada na criação, sobre a criação, ou verdadeiro da
criação é auto-existente”, e o princípio da irredutibilidade: “Nenhum aspecto
da criação deve ser considerado, seja como o único aspecto genuíno ou como
tornando a existência de qualquer outro aspecto possível ou atual” (Clouser,
2005ª:241). E, partindo de uma análise não-reducionista das estruturas básicas
do sentido da realidade, que é a conectividade inter-aspectual, ele chega a
outros dois princípios explanatórios: os princípios da universalidade aspectual
(cada aspecto habita em todos os outros) e da inseparabilidade aspectual (a
inteligibilidade de cada aspecto depende de sua conexão com os outros)
(Clouser, 2005ª:254,257).
O teísmo bíblico,
capadociano-reformacional surge, então, como alternativa capaz de superar o
reducionismo metafísico, na medida em que, ao postular uma descontinuidade
fundamental entre o divino e o não-divino, localizando o “Ser” divino para além
do “ser” criado, destrói a possibilidade de obter um acesso ao fundamento da
realidade no interior do pensamento teórico. A diferença qualitativa infinita
Criador-criatura, utilizada como ponto de partida para a explicação da conectividade
inter-aspectual, garante que a pluralidade-na-unidade dos aspectos seja
reconhecida como real (contra o panteísmo), mas implica em que nenhum dos
aspectos artificialmente abstraídos pode ser considerado mais real que os
outros, ou auto existente. Isso significa, então, que o teísmo bíblico de fato
ajuda o pensador a compreender a realidade, criando uma atitude positiva em
relação à experiência humana do mundo, em sua primitividade, e gerando uma
crítica ao dogmatismo da autonomia da razão em relação à experiência.
Considerações
Finais
A proposta de Roy
Clouser é uma forma modificada, mas basicamente fiel ao sistema desenvolvido
pelo jurista e filósofo holandês Herman Dooyeweerd, principalmente em sua obra
magna, A New Critique of Theoretical Thought, publicada em inglês em meados da
década de 50. Clouser parece ter, no entanto, uma grande preocupação em tornar
a filosofia de Dooyeweerd, que foi denominada “filosofia da ideia cosmonômica”,
ou, mais comumente, filosofia reformacional, uma metodologia acessível, capaz
de ser aplicada sistematicamente nos diversos campos do saber. Além disso,
desenvolveu de forma original alguns temas do pensamento reformacional, como a
diferença qualitativa infinita Criador-criatura, a crítica ao conceito de
analogia, e o desenvolvimento de uma crítica original à autonomia religiosa do
pensamento teórico, integrando estudos comparativos de religião e filosofia da
religião.
No sistema
Dooyeweerdiano-Clouseriano, a regulação religiosa das teorias é interna. Assim,
apesar de ser um teísta cristão convicto, dentro da tradição evangélica
calvinista, Clouser rejeita a tentativa de acomodar teorias científicas a
interpretações literais da Bíblia. A razão desse posicionamento não é, como ele
deixa claro, uma descrença em relação à autoridade das Escrituras cristãs, que
ele aceita como Palavra de Deus; tampouco considera os fundamentalistas muito
“radicais”. Pelo contrário, Clouser critica os fundamentalistas por não serem
suficientemente consistentes; pois a estratégia da acomodação exterior deixa as
teorias intactas, mantendo no escuro os seus pressupostos metafísicos e, em
última instância, religiosos. Clouser chama dessa atitude de “presunção
enciclopédica”, que seria inútil, na maior parte das vezes.
Assim, ao invés de
mera acomodação, Clouser preconiza uma reforma interna do pensamento teórico,
no sentido de identificar e modificar as pressuposições religiosas das teorias,
visando uma regulação interna da ciência pela fé teísta. Vamos concluir a nossa
exposição com uma declaração de Clouser a este respeito:
Oferecendo a
alternativa de uma metafísica irredutivelmente pluralista, o teísmo pode
apresentar uma dádiva salutar ao empreendimento científico, e é para este
projeto mais pervasivo e construtivo que eu gostaria de despertar a atenção dos
teístas. Tal projeto deve incluir, tanto o desenvolvimento de novas teorias
não-reducionistas nas ciências, como a elaboração de interpretações
não-reducionistas das teorias existentes – incluindo a teoria da evolução
biológica (Clouser, 2001:10).
[1] Segundo
Clouser, para Tillich “[…] a verdadeira religião é a preocupação ou a crença
que tem sucesso em ser direcionada para o infinito, enquanto a falsa religião é
a preocupação que intenciona ser dirigida para o infinito, mas não o alcança.
Mas isso mesmo não pode ser correto. Pois as religiões teístas – Judaísmo,
Cristianismo e Islã – sustentam a doutrina da criação de Gênesis. Elas, portanto,
não pretendem crer que qualquer coisa seja infinita no sentido Tillichiano. Ao
invés disso, elas deliberadamente crêem no Deus Criador que é distinto do
universo que Ele criou” (Clouser, 2005a:13,14). Ou seja, a definição de Tillich
é tão estreita que elimina as três grandes religiões monoteístas!
[2] “[…] incluindo: William James, A. C. Bouquet, H. Dooyeweerd, Hans
Kung, Paul Tillich, Mircea Eliade, N. Kemp Smith, Joachim Wach, C. S. Lewis,
Will Herberg, e Robert Neville, para nomear uns poucos” (Clouser, 2005a:22).
[3] Clouser
introduz ainda uma distinção significativa entre os sentidos primário e
secundário da crença religiosa. Crenças como, por exemplo, a de que a
escravidão é errada, podem ser formadas a partir de crenças religiosas, e
guardarem uma conexão histórica com certa religião, mas, em si mesmas, não são
religiosas, pois podem ser ocasionadas por condições não religiosas. Nesses
casos, as crenças são religiosas num sentido secundário, distinto do abordado
aqui (Clouser, 2005ª:26).
[4] Isso
significará, evidentemente, uma crítica à síntese da metafísica aristotélica
com o cristianismo operada por Tomás de Aquino, como uma tentativa de
restabelecer a continuidade ontológica entre Deus e o cosmo criado.
[5] Clouser
discute um pouco algumas das implicações desses diferentes tipos de crença para
a vida religiosa (Clouser, 2005ª:51-55).
[6] O termo
“metafísica” não é usado, aqui, com sentido pejorativo, nem para indicar as
formas tipicamente gregas de especulação sobre o “Ser-em-si”, mas simplesmente
como a teoria sobre a estrutura fundamental da realidade. Em Clouser, o termo é
intercambiável com “ontologia”.
[7] “Aspectos não
são […] tipos ou classes de coisas, mas tipos de propriedades que a coisas
parecem ter, juntamente com a ordem nomológica que vale para estas
propriedades” (Clouser, 1996b:1). Uma lista de quinze aspectos, numa escala
ascendente, é apresentada por Clouser, derivada de Dooyeweerd: (1)
quantitativo, (2) espacial, (3) cinético, (4) físico, (5) biótico, (6)
sensório, (7) lógico, (8) histórico, (9) lingüístico, (10) social, (11),
econômico, (12) estético, (13) “justicial”, (14) ético, (15) fiduciário.
[8] Para Clouser,
a abstração de tipos de propriedades sempre é realizada, embora, geralmente, de
forma inconsciente. Quando é feita de forma controlada e atenta, temos um nível
a mais de reflexão, que ele descreve como “abstração das abstrações” (Clouser,
2005ª:66). Essa seria a forma de reflexão típica da teoria geral da realidade,
que caracteriza a filosofia e a distingue das ciências em geral (Clouser,
2005ª:70).
[9] “[…] analisar
os conceitos […] invoca a questão de como as propriedades de diferentes tipos
aspectuais incluídas nele se relacionam entre si” (Clouser, 2005ª:78).
[10] “Pois ela
requer que quaisquer tipos de propriedades e leis que são verdadeiros para Deus
sejam também incriados quando ocorrem nas criaturas, assim como o são em Deus”
(Clouser, 1995:119).
Referências
Bibliográficas
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* Graduado em
Teologia (Universidade Presbiteriana Mackenzie), Mestre em Teologia (Faculdade
Teológica Batista de São Paulo), mestre em Ciências da Religião pela UMESP.
Diretor de L’Abri Fellowship Brasil, pastor na Igreja Esperança e membro do
Kuyper Hub.
** O artigo foi
publicado originalmente nos anais do Simpósio da ALER de 2005.
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